A Contagem do tempo: Do Sino ao Relógio

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A Contagem do Tempo: do Sino ao Relógio

Com o crescimento das cidades, as igrejas passaram a utilizar os sinos para atrair os fiéis informando que a missa iria começar. Logo, os sinos passaram a informar também o horário à comunidade, utilizando o sistema latino de contar as horas a partir do nascer do sol.

Na Idade Média, denominava-se prima, terça, sexta e nona as horas correspondentes aproximadamente às nossas seis, nove, doze e quinze horas. A Igreja as completou com mais quatro: matina, por volta da meia-noite; louvor, no alvorecer; véspera, no ocaso; e completa, antes do repouso noturno, quando a jornada está "completa". Junto com prima, terça, sexta e nona, elas constituíam as horas canônicas, os momentos das preces e do canto litúrgico que cadenciavam as horas, sobretudo dos monges nas abadias, geralmente distantes das cidades. Contudo, a partir do renascimento comunal do século XII, os sinos davam cada vez mais o ritmo das horas de labuta dos trabalhadores urbanos, convidando-os a santificar o dia inteiro.
Seu toque era regulado segundo os meridianos solares que assinalavam a hora local (na falta do sol, usavam-se clepsidras — que, no entanto, gelavam no inverno no norte da Europa -, ampulhetas, velas marcadas, relógios d'água). Com isso, as horas variavam segundo as estações, sendo mais breves no inverno, mais longas no verão. No final do século XIII, porém, a invenção do relógio mecânico introduziu, pela primeira vez, um tempo novo, com horas teoricamente iguais. Os relógios geralmente movimentavam também os bonecos, denominados autômatos, tão apreciados pelo público que acabaram sendo uma das maiores razões de seu sucesso, mais até que a possibilidade de saber as horas.

Na Itália, o primeiro relógio com um autômato foi instalado em 1351, na catedral de Orvieto, na torre da esquina entre a rua do Domo e a praça do Domo, e funciona até hoje. O autômato, fundido em 1348 com a mesma liga usada para os sinos, indica ser, pelas roupas que enverga, um servente leigo da Obra do Domo. Com um martelo, o autômato bate as horas no sino maior e traz escrito em seu cinto: "Da te a me, campana, fuoro pati/ tu per gridar et Io per fare i fati" (De ti para mim, sino, fizemos os pactos/ tu para grita-res e eu para pôr em obra os atos). No sino lê-se, embora malfeita, a resposta: "Se vuoi ch’attenga i pati dammi piano /se no io cassirò e dara’ invano” (Se queres que respeite os pactos bate devagar/pois baterás em vão se eu me quebrar).
Os relógios não eram precisos; em razão do atrito dos mecanismos, a defasagem acumulada era, geralmente, de pelo menos uma hora por dia. O ponteiro dos minutos só foi introduzido em 1577, pelo alemão Jost Burgi; o fato de que até então ninguém havia sentido sua falta é suficiente para dar a idéia da larga tolerância com que se via o passar do tempo, ou seja, a imprecisão com que era medido naquela sociedade do daqui a pouco, de ritmos tranqüilos, sem prazos improrrogáveis, horas marcadas. Os documentos mencionam continuamente a necessidade de "temperar o relógio”, para tentar controlar aquelas horas sempre demasiado velozes ou lentas. Na metade do século XIV, quando os grandes relógios públicos passaram do campanário para a torre do palácio municipal, nasceu o tempo laico, pela primeira vez separado do tempo de Deus.

Os primeiros relógios não tinham nem mostradores nem ponteiros e limitavam-se a bater as horas; eram comparáveis aos sinos, tanto que o termo inglês clock (relógio) é muito próximo do alemão Glocke e do francês cloche, que significam, justamente, sino. Inicialmente, era o quadrante que rodava em torno de um ponteiro fixo; muitas vezes os relógios eram também astronômicos, mostrando o movimento do céu: se o relógio parava porque alguém havia esquecido de puxar os pesos, bastava esperar a noite para recarregá-lo, regulando sua posição pelas estrelas. Foi somente graças aos estudos de Galileu que o holandês Christian Huygens (1629-95) criou, em 1665, o relógio de pêndulo: finalmente, a oscilação constante do pêndulo garantia a regularidade do movimento das rodas dentadas. Um dos mais antigos relógios que chegou até nós pertencia originalmente à catedral de Estrasburgo: construído em 1354, anunciava as horas acionando um galo mecânico que, a cada dobre, batia as asas e lançava o seu cocorocó. Funcionou até 1789 e, atualmente, pode ser admirado no Museu de Estrasburgo.

Mas existem pelo menos outros dois relógios medievais ainda em perfeito funcionamento, o de Wells, de 1392, e o de Salzburgo, de 1386. Os primeiros relógios mecânicos funcionavam mais ou menos como a mola usada para girar os assados no fogo. Uma corda à qual era ligado um peso, enrolada ao redor de um eixo, desenrola-se em aceleração constante. Uma série de rodas coligadas entre si pode diminuir o movimento de modo a manter o relógio em funcionamento — por muito tempo, se for montado, por exemplo, em um local bem alto, como uma torre ou um campanário. Mas, para conservá-lo em movimento dia e noite e com um ritmo regular, era preciso encontrar outra solução. O verdadeiro salto de qualidade na fabricação dos relógios foi a introdução do sistema de escapamento.

O escapamento é um dispositivo posto na extremidade da engrenagem, com a dupla função de interromper seu movimento no instante preestabelecido e de distribuir a energia periodicamente para um órgão de regulação.Esse sistema deixa, de fato, "escapar" em quantidades regulares um pouco da força motriz gerada pelo peso, de maneira a manter em movimento o oscilador, que tem a tarefa de fracionar o tempo em intervalos iguais. É um sistema genial que detém e repõe em movimento a roda dentada, continuamente e em ritmo regular, e que ao mesmo tempo empresta uma longa autonomia às engrenagens. Discutiu-se intensamente sobre quem teria sido o seu inventor. Muitos pensaram ter encontrado traços de um sistema primitivo de escapamento entre os desenhos de Villard de Honnecourt, célebre arquiteto do século XIII que deixou um riquíssimo livro de notas com alguns esboços de máquinas medievais, mas, depois de uma observação mais atenta, as provas em questão se dissiparam. Diante desses inúmeros fatos e invenções, percebemos que essa transição da marcação de hora do sino para o relógio como nós o conhecemos atualmente, portanto, não foi tão simples e imediata como podemos supor.