Vaidade

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Depois da Queda


Durante quase cinco anos ocupei um cargo na Capes, órgão do Ministério da Educação, no qual dirigia, mas não decidia o que era tarefa coletiva – avaliação dos cursos brasileiros de mestrado e doutorado. Pedi demissão em setembro, mas depois de um desentendimento com meu chefe, acabei demitido no mês seguinte. Deixar um cargo é uma experiência interessante, que vale a pena descrever.

No século XVIII, um escritor francês de rosto pouco conhecido, o duque de Neves, escreve um pequeno tratado para os “cortesãos caídos em desgraça.” Os reis da França tinham hábitos, ás vezes, estranho. Certa feita, Luís XVI foi mais encantador do que nunca com seu médico. Este voltou todo feliz para seus aposentos – onde encontrou a polícia e uma ordem de banimento imediato.

O médico protestou, mas era verdade: quando o rei o agradava ela já tinha ordenado seu desterro. Numa época em que “longe de Vossa Majestade não somos apenas infelizes, somos ridículos”, como disse outro nobre ao voltar do banimento, a queda súbita do favor era um dos maiores desastres que um aristocrata podia sofrer.

O duque de Neves foi um sábio: escreveu conselhos para quem vivesse a desgraça. São conselhos simples. “Antes todos o adulavam, agora você é esquecido. Longe da corte, meditará sozinho, ou na companhia dos pouquíssimos amigos que lhe restaram, sobre a fragilidade do favor do governante, da simpatia dos amigos, do amor das mulheres”. Mas esses pensamentos, embora tristes, exprimem a verdade. O mundo é assim. Quem erra é quem acredita na lisonja, na adulação.

A VAIDADE.
Porque, na verdade, quem está no poder é presa fácil da vaidade. Esta palavra tem dois sentidos. Primeiro, é a condição de quem é vaidoso- de quem se acredita superior aos outros ou, mais modestamente, apenas bonito, encantador, inteligente e engraçado. Segundo, é a condição de tudo o que é vão. “Vanitas vanitatis”, reza o Eclesiastes: a vaidade da vaidade, ou como ser vaidoso é vão; como inútil pretensioso e risível ser vaidoso.
Mais de 2 mil anos de Filosofia trataram da vaidade. Quando se afirma que alguém suportou os dissabores “filosoficamente”, entende-se que soube meditar como aconselhava o duque de Neves. Perdeu muito, perdeu tudo o que era exterior a ele, mas não terá conservado o seu valor interno? Não terá, agora, condições de saber mesmo quem vale e o que vale? Discutir a vaidade é discutir o valor verdadeiro e o falso.

Hobbes distingue o vaidoso e, por outro lado, aquele que conhece o seu próprio e verdadeiro valor. Num caso, temos a “vã glória”, a vanglória; no outro, a justa glória. Quem conhece seu justo valor pode orgulhar-se dele. Na verdade, quem sabe o quanto vale nem se orgulha, porque já não lhe importa o reconhecimento pelos outros. O que conta para ele é ser respeitado pelas pessoas a quem respeita. Que me importa ser admirado por quem não admiro? Como respeitar quem só tira o chapéu para quem tem poder?

You´re so vain é uma canção de grande sucesso, composta e gravada por Carly Simon, em 1972. “Você é tão vaidoso”, diz ela, mas sempre junto com outra idéia, a de “vão”: inútil. O divertido é que na segunda estrofe ela engata: “... tanto que provavelmente você pensa que esta música é sobre você. Não pensa? Há um duplo sentido. Ela acusa um homem de ser vaidoso – tão vaidoso que até acredita que ela esta falando dele...

O INTERESSE.
Se quem está “por cima” é facilmente tomado pela vaidade, quem adula é movido pelo interesse. Confessemos: o interesse é mais forte e possivelmente mais sólido do que a vaidade. Lembra-se do presidente Fernando Henrique, que brincou certa vez: “Sou mais inteligente que vaidoso”? Queria dizer: sou vaidoso, sim, gosto de ser cortejado, mas sei perceber que estão fazendo isso por interesse e não caio na armadilha. A maior parte, porém, cai.

Por que o interesse é mais sólido? Porque é mais racional, mais frio. O problema da vaidade é que, sendo paixão, deixa-nos passivos. Sua luz forte eclipsa. Quando dizemos que uma mulher é deslumbrante, queremos dizer que ela nos ofusca, por excesso de brilho. É como holofote apontado para nossos olhos. Mas não basta a beleza para ofuscar. O que cega, mesmo, é a esperança insensata de que ela nos ame. É por isso que a mídia nos cega, especialmente num país em que quase todo veículo de imprensa está cheio de corpos lindos e jovens: porque não se vende apenas o voyeurismo, se vende a esperança de que essas beldades nos queiram. Ai entra a vaidade e, com ela, o desastre.

A MODERAÇÃO.
Mas, no fim das contas, nem vaidoso nem o interesseiro tem razão. Nenhum deles está bem. Quem se entrega á vaidade se engana e se torna joguete fácil – dos outros e de suas próprias paixões. Toma decisões equivocadas. Não se prepara para os dias difíceis, que sempre virão. Um presidente um dia se tornará ex, uma modelo envelhecerá.
E quem reduz os interesses pessoais àquilo que pode ser iluminado, fecundado, enriquecido pelo poder (ou pela beleza, ou pelo prestígio) também se fragiliza. É verdade que retira vantagens. Geralmente é hábil para substituir um adulado por outro, e ficar no poder – ou no espetáculo que é a mídia – por muito tempo.

Mas tudo isso é muito vulnerável. Essa, a palavra: tanto o vaidoso quanto o adulador vivem por um fio. Hobbes tinha razão quando elogiava quem conhece o próprio valor. Conhecê-lo significa duas coisas: nem acreditar nos elogios pródigos dos outros (isto é, não ser vaidoso), nem imaginar que o poderoso ou a beldade possam nos fazer feliz.

Podemos causar menos impacto do que nossa vaidade gostaria, mas certamente valemos mais do que nossa subserviência dá a entender. Conhecer essa medida é a moderação. Pode não causar euforia, mas tem mais condições de proporcionar felicidade.

“A vaidade é um princípio de corrupção”
(Machado de Assis – Dom Casmurro)

Texto extraído da Revista “FILOSOFIA”
Do Professor Renato Janine Ribeiro, Prof. de Ética e Filosofia Política
Na Universidade de São Paulo
Colaboração do Irmão Sérgio N. Pereira.

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